Dilma diz que ódio não move Comissão da Verdade

  • Ueslei Marcelino / Reuters

BRASÍLIA, 16 Mai (Reuters) - A presidente Dilma Rousseff emocionou-se nesta quarta-feira ao instalar a Comissão da Verdade e, ao lado de todos seus antecessores no Palácio do Planalto desde a redemocratização, afirmou que as investigações não serão movidas pelo ódio ou revanchismo, mas pela necessidade de o Brasil conhecer a "totalidade de sua história".

"Ao instalar a Comissão da Verdade, não nos move o revanchismo, o ódio ou o desejo de reescrever a história de uma forma diferente do que aconteceu", disse a presidente sobre o grupo criado para buscar o esclarecimento de crimes e abusos contra direitos humanos cometidos no país entre 1946 e 1988, período que inclui o regime militar (1964-1985).

O Planalto convidou os ex-presidentes para fazer da posse um "evento de Estado, não de governo", como afirmou Dilma que, no discurso, ressaltou contribuições de cada um deles. Além dos presentes --José Sarney (1985-1990), Fernando Collor (1990-92), Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) e Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010) -, Dilma citou Tancredo Neves (não chegou a tomar posse) e Itamar Franco (1992-1994), já mortos.

Ao defender as investigações sobre crimes durante a ditadura, Dilma, que foi torturada e presa por três anos pelo regime militar, afirmou que a ignorância sobre a história "mantém latente mágoas e rancores".

"O Brasil não pode se furtar a conhecer a totalidade de sua história. Trabalhamos juntos para que o Brasil conheça e se aproprie dessa totalidade da sua história", disse ela. "A sombra e a mentira não são capazes de promover a concórdia. O Brasil merece a verdade", acrescentou.

Ao final do discurso, Dilma se emocionou ao falar nos mortos e desaparecidos. "As novas gerações merecem a verdade e, sobretudo, merecem a verdade factual aqueles que perderam amigos e parentes e que continuam sofrendo, como se eles morressem de novo a cada dia", afirmou ela, que em outras ocasiões lembrou companheiros perdidos durante o período.

"É como se disséssemos que, se existem filhos sem pais, se existem pais sem túmulo, se existem túmulos sem corpos, nunca, nunca mesmo, pode existir uma história sem voz. E quem dá voz à história são os homens e mulheres livres que não têm medo de escrevê-la".

No evento, foi assinada a entrada em vigor da Lei de Acesso à Informação, aprovada no Congresso.

FOCO DAS INVESTIGAÇÕES

Tanto o discurso da presidente quanto o do ex-ministro da Justiça José Carlos Dias, que será uma espécie de coordenador dos trabalhos da Comissão, foram claros em demonstrar que o enfoque do grupo será a apuração dos crimes praticados por agentes do Estado.

"Jovens daquela época viveram o sonho da contestação, o que não justifica os atos de violência praticados por agentes do Estado", disse Dias, ex-ministro do governo Fernando Henrique.

Dilma citou frase atribuída a Galileu Galilei para dizer que "a verdade é filha do tempo, não da autoridade". "Eu acrescentaria que a força pode esconder a verdade, a tirania pode impedi-la de circular livremente, o medo pode adiá-la, mas o tempo acaba por trazer à luz. Hoje esse tempo chegou", disse a presidente.

Outro integrante, o ministro do Superior Tribunal de Justiça Gilson Dipp, declarou após o evento que a comissão é "um compromisso do Brasil com sua história, com seu passado e com o esclarecimento da verdade das graves violações dos direitos humanos".

Além de Dias e Dipp, fazem parte da comissão o ex-procurador-geral da República Cláudio Fontelles, o embaixador Paulo Sérgio Pinheiro, a psicanalista Maria Rita Kehl e os advogados Rosa Maria Cardoso da Cunha e José Paulo Cavalcanti Filho.

Ao final do evento, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, afirmou que o governo não irá interferir nos trabalhos da comissão e que não vê possibilidade de boicote por parte de órgãos do Estado.

"O processo de criação da comissão foi amplo e envolveu todo o governo e sociedade", disse Cardozo.

Dilma convidou os integrantes da comissão, ex-presidentes e alguns ministros para um almoço no Palácio da Alvorada.

A lei que estabeleceu a Comissão da Verdade, que tem dois anos de vigência, foi sancionada por Dilma em novembro do ano passado. Durante sua tramitação no Congresso, houve polêmica em torno do ponto que dava exclusivamente à presidente o direito de escolher os integrantes.

(Reportagem de Ana Flor)

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